Entrevista: Falei para minha esposa que correria até os 50 anos”
23-03-2011 22:18
Em entrevista exclusiva ao TotalRace, Rubens Barrichello conta os planos para o futuro, explica como deve ser o ano da Williams e aponta os favoritos para a temporada 2011 do Mundial
Por: Felipe Motta
Rubens Barrichello começará neste fim de semana sua 19º temporada na Fórmula 1, e para o veterano o fim de sua carreira parece distante. “Eu falei para a Silvana (esposa) que vou até aos cinquenta, mas ela não vai deixar. Então, vamos pelo menos até os quarenta, quem sabe”. Feliz por estar mais um ano com a Williams, Rubinho conversou com a reportagem do TotalRace em São Paulo sobre o que espera do Mundial 2011.
Com quase 39 anos (completa dia 23 de maio), o brasileiro demonstra serenidade. Evita promessas por resultados expressivos, ainda que acredite que seu carro é melhor que o do ano passado: “o conjunto traseiro do carro é inovador. Acho que foi um dos melhores projetos que a Williams já fez, mas só isso não ganha corridas”. Nesta conversa, Barrichello falou que acredita que Red Bull e Ferrari estão melhores, a Williams não está fraca financeiramente e que o pior momento da pré-temporada foi evitar a sobremesa do Ano Novo: “foi difícil dizer não para aquele sorvete de baunilha”.
TOTALRACE: Você completou 300 Grandes Prêmios e parece não perder o fôlego. Até onde vai essa história?
RUBENS BARRICHELLO: (risos) Até quando eu fizer isso com essa paixão que eu faço, até eu fisicamente estar bem, enquanto eu tiver velocidade na veia. Não sei, essa é uma história tão bonita, que começou há tanto tempo, com o sonho do moleque de Interlagos e hoje ela vem florindo cada vez mais e mostra o quanto eu sou apaixonado por isso. Então, não sei, acho que essa é uma história ainda que deve continuar.
TOTALRACE: Você não perdeu um pingo do tesão em correr de Fórmula 1?
BARRICHELLO: Acho que não só não perdi como tenho mais. Isso é engraçado. Logicamente, hoje a Fórmula 1 é até mais fácil, pelo simples fato que existem menos testes, menos viagens. Há mais viagens de corrida, mas antigamente você corria no domingo e na terça-feira você já testava o carro. Então, nesse sentido, era mais difícil. Hoje em dia, do jeito que está, eu falei para a Silvana que eu vou até os cinquenta, mas ela não vai deixar. Então, vamos pelo menos até os quarenta, quem sabe.
TOTALRACE: No plano ideal, com carro competitivo e com prazer em guiar, você consegue projetar mais ou menos a data de parar?
BARRICHELLO: Não, eu não faço essa projeção, não. Eu não faço esse tipo de projeção na qual eu coloco um final, porque, no momento em que você colocar um final, existe uma razão, você está deixando de gostar ou você está tendo algum tipo de problema, e eu não tenho problema. Sou abençoado em poder fazer aquilo que eu gosto de fazer, então não faço essa projeção. Eu me dedico muito, uma prova disso foi essa perda de peso todo que eu tive que passar nesses últimos dois meses, mas que valeram a pena. Estou me sentindo super bem, me sentindo bem no carro, é super-gratificante quando o chefe de equipe chega parabenizando por aquilo que viu, pelo peso que sentiu que eu tive de perder, então tem que continuar tranquilo. Vale a pena lembrar que eu não faço isso porque eu simplesmente gosto de fazer, mas eu acho que o sonho continua e ter o carro competitivo na mão para poder ganhar provas é sempre o valor maior da razão do sonho.
TOTALRACE: Muitos pilotos de Fórmula 1 são jovens. Você tem assunto com eles ou a diferença de idade faz com que você se relacione com os pilotos de mais idade, porque, enfim, Vettel não tem filhos, Hamilton namora uma super-estrela, e de repente o assunto não bate?
BARRICHELLO: Eu converso com todos. Na verdade, a partir do momento que você escuta minha esposa falando que ela tem três crianças aqui em casa, você sabe que eu também sou muito jovem e eu sou considerado o brincalhão da turma, então, cabe sempre uma brincadeirinha com todos os jovens e eu tenho amizade com todos eles. Encontrei agora com o Vettel, voltando no aeroporto de Jerez, na saída do aeroporto, e ele contando um pouco como estava o carro e tal, e eu falando pra ele: “Pô, tira logo essa gasolina do carro, pra ver, tal...” e sempre rola um sorrisinho e é onde você começa a compreender se a coisa tá boa ou não tá. Mas eu tenho amizade com todos na Fórmula 1.
TOTALRACE: Você falou em perder peso. Quantos quilos você perdeu e como funciona uma dieta como essa para que não se perca peso a mais e o piloto fique fraco?
BARRICHELLO: Essa é uma dieta um pouco severa. Você não perde de um dia pro outro. Eu tive de mudar os meus hábitos, perdi cinco quilos e, destes cinco quilos, eu precisei analisar o quanto eu estava perdendo dia a dia, porque é perigoso, você pode ficar fraco realmente, a tua imunidade vai lá pra baixo, os exercícios não ficam da forma que você gostaria que ficassem. Então houve momentos em que eu realmente saí para correr e que eu me sentia extremamente cansado. Mas isso foi no começo, quando tive que queimar mais; cortei o carboidrato tanto no almoço, quanto no jantar no começo. Hoje eu só corto no jantar. Agora eu já voltei a ter uma rotina maior, eu comecei a ir para a academia duas vezes por dia, não só por uma, mas o mais difícil foi não aceitar a sobremesa do Ano Novo. Para mim foi o que mais doeu, no Ano Novo, à meia-noite, todo mundo comemorando e aquele sorvete de baunilha com calda de chocolate; o mais difícil foi eu ter falado um não para ele.
TOTALRACE: Você citou o encontro com Vettel. Muito fã seu escrevia no Twitter que “a Williams estava com tempos lá atrás”, houve dias com problemas de confiabilidade. Conforme a pré-temporada avançou, a Williams andou bem, você chegou a ser o mais rápido em alguns dias. Qual é a realidade de dentro do cockpit do carro 2011 da Williams?
BARRICHELLO: A realidade nós desconhecemos. Eu acho que é isso o que torna a Fórmula 1 interessante. É engraçado que algumas pessoas acham que isso é piada. A realidade da Fórmula 1 hoje é que 10, 15 quilos de gasolina no carro representam no mínimo 3 décimos de segundo. O carro tem que andar com 5 quilos de gasolina para dar duas voltas na pista, ou ele anda com o tanque cheio, que é por volta de 150 quilos. Nisso a gente está falando de quase 5 segundos. Então, eu já falei que agora com essa regra nova do tanque cheio, você pode ser o “hero” ou o “zero” (herói ou zero). O que significa isso? Significa que, nos testes de inverno, você não vê a Red Bull liderar, mas você vai ver a Red Bull liderar na primeira corrida porque eles estão com tanque cheio, fazendo sempre testes para a corrida e, provavelmente, eles estão guardando algumas cartas na manga. Então, não é uma realidade pura, tudo aquilo que a gente vê por aí. Em relação ao ano passado, o meu carro é melhor, se comporta melhor, todos têm problemas de confiabilidade, porque o KERS, a asa traseira; tudo é muito novo, mas eu gostei daquilo que vi. Não tenho um carro ainda para ganhar a primeira prova, não tenho noção de onde a gente vai poder largar, mas eu gostei daquilo que vi e isso já é um grande passo para ter um ano melhor.
TOTALRACE: O câmbio da Williams parece ser diferente, inovador, o carro também tem outros aspectos neste sentido. Fale um pouco sobre o câmbio, Rubinho.
BARRICHELLO: Olha, o conjunto traseiro do carro é inovador. Acho que foi um dos melhores projetos que a Williams já fez, foi um dos melhores desenhos da Fórmula 1 desses últimos tempos. Logicamente, só isso não ganha corridas, mas é um projeto agressivo. Tudo foi feito para melhorar a condição aerodinâmica do carro. Assim, o câmbio é bem baixo e a gente tem a transmissão descendo numa... (Rubinho faz uma pausa.) É muito íngreme a posição que sai da suspensão “pull rod” lá para baixo, no câmbio. Eu fiquei satisfeito por aquilo que vi, pela agressividade que a equipe tomou quando fez o projeto.
TOTALRACE: As pessoas leem sobre problemas financeiros com a Williams. Como isso é trabalhado internamente e como a equipe conversa com você?
BARRICHELLO: Ficou claro pra mim que nós tínhamos alguns patrocínios saindo no ano passado, alguns outros entrando, e que nossa situação financeira era estável. E está sendo provado, por todas as evoluções que a equipe está fazendo, que a situação é estável realmente.
TOTALRACE: Pneus Pirelli são bons ou ruins?
BARRICHELLO: Acho que a gente não pode fazer uma comparação direta com a Bridgestone. Eu não sei se é um pedido da FIA, que os pneus tenham o nível que estão tendo, eu não sei se é um desejo da própria Pirelli. O pneu tem uma volta muito boa, uma volta lançada boa e depois tem uma degradação maior do que aquilo que a gente gostaria que tivesse. Mas uma das melhores provas do ano passado foi no Canadá, quando os pneus estiveram em dificuldades e aconteceram mais ultrapassagens. Então eu acho que a gente pode ter um ano melhor, com mais paradas no box e talvez um ano de mais ultrapassagens. Então, tem o seu lado positivo e o seu lado negativo.
TOTALRACE: Do que você viu lá, quem mostrou força, além da Red Bull?
BARRICHELLO: A Ferrari, com certeza. Eu acredito que a gente tem aí algumas equipes que não dá pra ler muito mas eu acredito que a Renault parece com um carro com certa força, não dá para entender até que ponto essa força é grande ou não. Eu diria que a Sauber faz tempos muito competitivos em ritmo de corrida, mas eu também não saberia te dizer se isso é um blefe ou não é. O nosso carro é muito bom no ritmo de uma volta, precisa melhorar no ritmo de corrida. Enfim, nós temos aí uma série de candidatos. A Mercedes parece bem. A McLaren me parece um pouco mais em dificuldade. Então, a gente não sabe. O que dá pra saber é que a Red Bull e a Ferrari estão bem.
TOTALRACE: Com base em testes e telemetria, o que você diz sobre Pastor Maldonado?
BARRICHELLO: Surpreendeu-me. É um boa gente, está ali para aprender. Está no seu cantinho, mas me surpreendeu. Tem um bom contato dele com o volante, com tudo aquilo que vi, então, pode ser que ele consiga um bom ano.
TOTALRACE: Gostaria agora um comentário sobre um amigo seu, que é o Robert Kubica. O que você sabe? Ele pode abandonar as pistas?
BARRICHELLO: Não sei. Isso eu não saberia te dizer. Eu vejo só pelas palavras dele. Fiquei super-feliz de ter tido o contato com ele direto, a voz dele era boa. O dia em que eu quis fazer uma visita, infelizmente, ele teve que fazer a última cirurgia e voltou para a UTI, então eu não tive esse prazer de estar com ele, mas a gente reza pra que ele esteja de volta porque é um talento nato e merece estar com a gente.
Escute o Audio dessa entrevista no blog do Felipe Motta